Até os anos noventa do século passado pouco se conhecia sobre o cérebro humano e sua admirável capacidade de colher informações, transformando-as em conhecimento e de sua sagacidade em transferir experiências vividas ou apreendidas para solucionar novos desafios. O avanço das Ciências da Cognição e o desenvolvimento de novas técnicas de captação de imagens que nos permite ver a atividade cerebral enquanto ocorre e detectar com precisão quais a estruturas envolvidas, mudaram não apenas alguns conceitos médicos, mas interferiram sobre o que se conhece sobre aprendizagem e memórias e, dessa forma, como trabalhar saberes em sala de aula. A lista que aparece a seguir sugere algumas das interessantes conclusões sobre a mente humana e que devem ser levadas em consideração quando se ministra uma aula, seja qual for o nível de idade do aluno, ou os conceitos que se busca construir.
O cérebro humano é capaz de aprender em qualquer idade, mas reveste-se de notável importância a educação que se recebe desde o nascer, até os primeiros anos de vida e o reconhecimento das agudas modificações cerebrais que se processam após a puberdade.
Uma pessoa normal nasce dotada de tecido cerebral complexo e com capacidade para diversificadas e múltiplas conexões, mas se esse tecido não é desafiado através de estímulos significativos que atingem a percepção sensorial e depois não se utiliza intensamente essa modificação, ocorre uma atrofia ou perda dessas funções. Em síntese, a escolaridade convencional pode ter limite, a aprendizagem jamais.
Bebês ou crianças pequenas podem sobreviver ou se desenvolver mesmo com comprometimento de uma parte do cérebro, mas à medida que passam os anos, esta flexibilidade diminui e fica bem mais difícil compensar capacidades e funções perdidas. É importante que se preserve boas amizades por toda vida, mas a amizade imprescindível é a que, até os trinta anos, desafia, instiga, ousa.
A plasticidade cerebral que nos faz aprender admite que tudo quanto se assimila chega através de experiências concretas do sujeito sobre o objeto do conhecimento, mas chega também pela observação e constatação dos exemplos que se conquista dos modelos que se observa e com os quais a vida nos propõe conviver. Estímulos procedimentais não substituem estímulos experimentais, mas estes também não substituem aqueles. Ambos são imprescindíveis.
A complexidade das zonas e das redes neurais, cada uma orientada para capacidades bastante específicas, destaca que alguns indivíduos sejam dotados de potenciais e talentos muito acima da média dos demais e como as aptidões são relativamente independentes, ninguém é absolutamente bom em tudo que é necessário para bem viver, mas possui excelência em uma ou outra capacidade. A avaliação do ser humano não pode jamais se centrar em uma ou apenas algumas capacidades.
Além de evidentes disparidades biológicas e de papeis sociais que em muitos pontos se opõe, o cérebro masculino e o cérebro feminino apresentam diferenças hemisféricas sensíveis que interferem na forma como percebem e como acolhem a compreensão e a relação da pessoa com o mundo. Em outras palavras, homens e mulheres podem fazer uma mesma leitura de seu tempo e de seus personagens, mas compreendem essa leitura de forma singularmente diferenciada.
Impossível deixar de reconhecer o imperativo papel da emoção no processo de aprendizagem e as pessoas com capacidade limitada em codificar emocionalmente suas experiências, apresentam problemas em reter e se transformar pela aprendizagem. Emoção não somente se ensina, mas sem a mesma pouco se aprende.
Essa lista, muito longe de se acreditar completa, não pode ser vista com indiferença e nem mesmo como receita por este ou por aquele professor. Ao contrário, identificada como resposta da ciência pelo que hoje se sabe, deve transformar-se em instrumento de reflexão e imperativo de discussões entre toda equipe docente.
Outro dia esperava pacientemente na fila minha vez de ser atendido, quando um outro cidadão, sem mais nem menos, se interpôs à frente e pretextando ser amigo de um dos “pacientes” que a minha frente aguardavam, insurgiu-se w li se instalou, deixando lá trás um mundo de resmungos. Minutos depois, esperávamos todos o elevador chegar e mal a porta se abriu uma matilha alvoroçada ingressou no mesmo, atropelando os que de lá saiam. Não demorou muito, aguardava a hora de embarque e tão logo foi feita a chamada para o vôo, uma porção de passageiros desesperados amontoaram-se à frente, deixando crianças, idosos e deficientes, com suposta preferência, entrarem por último. Sorte que os lugares eram marcados e assim não coube aos primeiros o privilégio da escolha. Entrei no vôo por último, suspirando aliviado e pensando minha sorte em não estar buscando lugar no metrô, que disputa com maior sofreguidão bem mais passageiros.
Confesso que não me habituo a essa rotina agressiva e acho muito estranho tudo isso, recordando-me de tempos atrás quando havia uma coisa civilizada chamada “fila” que, agora, parece ter desaparecido.
Nada de surpreendente no que acima se relata. Não há morador de cidade grande ou média que não percebe essa evidência, que não sabe de pai que vai a escola reclamar da falta de disciplina e atira cascas de frutas pela janela ou estaciona em mão dupla. Ser empurrado, levar cotovelada, tapa na orelha e xingamento tornou-se comum e quem desejar ficar livre desses assédios que não tente sair de casa. Ou se aprende a empurrar ou se é empurrado cada vez mais. Nada disso parece causar estranheza, mas por paradoxal que possa parecer, existem os que ficam surpreendidos com o avolumar da indisciplina em sala de aula.
A sala de aula é e sempre foi um espaço que expressa continuidade da vida, reflexo do entorno. Se assim não for, não será sala de aula verdadeira, não permitirá que o aluno contextualize em sua existência os saberes que ali aprende. Ora se a sala de aula é reflexo da sociedade e se a sociedade urbana perdeu noção de compostura e disciplina, como esperar que a escola transforme-se em um aquário social, tornando-se diferente da rua? Se aqui se fechasse esta crônica, ficaria por certo uma questão essencial. Quer dizer então que não adianta combater a indisciplina em sala de aula, uma vez que este espaço reproduz a ausência de disciplina que campeia pelas ruas?
A resposta é claramente negativa.
É essencial que se restaure a disciplina em sala de aula, que se faça desse valor um objetivo a se perseguir, não para que a sala se isole da sociedade e também não para que a aula do professor fique mais confortável, mas antes para que ali ao menos se aprenda como tentar modificar o caos urbano que o desrespeito social precipitou. Mas, como fazer isso?
Em primeiro lugar transformando-se a disciplina em um “valor”. Isto é, fazendo com que seja a mesma vista como uma qualidade humana, imprescindível à convivência e fundamental para as boas relações interpessoais. A disciplina não pode, jamais, chegar ao aluno como uma ordem, um castigo, um imperativo que partindo do mais forte, dirige-se ao oprimido em nome de seu conforto pessoal, mas como “produto” de debate, reflexão, estudo de caso e análise onde se descobre a hierarquia de povos disciplinados sobre clãs sem mando ou sobre sociedades oprimidas. A Literatura, a História e a Geografia podem se transformar em espelhos que refletem que a disciplina que se busca não é apenas a que se vê na relação professor x aluno, mas toda aquela que leva um povo à vitória, um ideal à concretização. Depois de uma ampla sensibilização sobre a disciplina enquanto valor humano cabe uma franqueza cristalina na discussão de regras, princípios, normas e fundamentos que são essenciais a todos, ainda que funções diferentes impliquem em regras não necessariamente iguais. Qual a disciplina ideal na opinião dos alunos? Qual na opinião dos professores? Quais regras são boas para todos e quais sanções cabem a quem não as cumpre? Esse diálogo não deve valer somente para se sensibilizar a classe sobre o valor da disciplina, mas para formalizar verdadeiro “contrato” que unindo interesses, exigirá reciprocidade.
Em terceiro lugar um sincero convite para que todos os membros da comunidade – alunos, pais, professores, inspetores, serventes, etc. – ajudem a escola a construir os valores que objetiva. Que se mostre o que a sala de aula está fazendo e o que espera que faça o cidadão, que se busque algumas simples regras para a comunidade que uniformizando a solidariedade, sinaliza, para a construção de um ideal. É a oportunidade para mostrar que o belo e o bom não são questão de preço, mas ação comportamental de uma comunidade. É possível imaginar o efeito de um boicote de clientes contra a instituição pública ou privada que menospreze a disciplina? A construção de regras implica tacitamente na proposição de sanções quando de sua infringência, tal como no esporte o descumprir da regra implica na falta, e estas sanções necessitam menos castigar que orientar, menos punir e bem mais relevar o sentido e a significação de se viver em grupos.
Isto mudará o mundo fora da escola, além do entorno e de sua comunidade? Ocorrerá a restauração da fila e o voltar do respeito? Impossível ter certeza, mas ainda sem ela fica a convicção de que se a comunidade não fizer da sala de aula o seu espelho, ao menos os alunos e mestres desta sala a transformarão em abrigo sereno que sonha transformar-se em pequenino modelo para uma comunidade melhor.
Phiteco não sabe que tem esse nome. Para dizer a verdade, Phiteco nem mesmo existe, representa apenas um personagem fictício pensado por este professor e que viveu há cerca de cem mil anos atrás. Mas, se é verdade que somente a fantasia explica criar um personagem primitivo, pára por aí a ilusão. Há cem mil anos atrás os humanos viviam como se descreve e, dessa forma, se não existiu um Phiteco de verdade, os que existiam assim lutavam para sobreviver.
Tal como nós hoje em dia, Phitecos possuía evidências da seleção natural, processo pelo qual são selecionados os traços que aumentam a sobrevivência a qualquer individuo
Mas, não só de luta naqueles árduos tempos se vivia e, assim quando a barriga estava cheia e a luz da fogueira permitia, Phitecos inventava sons estranhos de instrumentos desconhecidos, preconizando a música que mais tarde, bem mais tarde, nos iria encantar. A sensibilidade artística poderia parecer não essencial para a rudeza da savana, mas sem ela as fêmeas seriam mais difíceis e assim compartilhar genes não seria possível. Nessa rude descrição desse inventado Phitecos se percebe o alvorecer de suas inteligências, aprimoradas pela seleção natural.
Em linguagem de hoje, seria possível pensar que a Inteligência lingüística de Phitecos se expressava em sua necessidade de compartilharem presas, comunicar estratégias, relatar esquemas de caças ou manifestações de carinho. A inteligência lógico-matemática valia para o caçador tanto quanto sua destreza e, portanto, sua inteligência cinestésico-corporal. Uma completava a outra e a força que é essencial se colocar na lança que se atira, se conquista quando se avalia o justo espaço que essa mesma lança dever percorrer. A carne era essencial para vida, mas era muitas vezes difícil e ainda forma incompleta de alimentação e, dessa forma, a inteligência naturalista comandava a busca de sementes, o prazer pelas frutas, a distinção do que comer sem se ingerir veneno, mostrando de forma altissonante que a inteligência naturalista também comandava a sobrevivência, e completava a ação conjunta essencial com estímulo para nossas inteligências pessoais.
Procure pensar Phitecos sem uma dessas inteligências e descobrirá que seria inviável sua sobrevivência. Nesta ou naquela ação, esta ou aquela inteligência necessitava sobressair, mas a impiedosa luta pela vida tornava claro que todas há seu tempo são igualmente imprescindíveis. O tempo passou, vestimos calça jeans e camisa social e a selva de agora recebe o nome de cidade, mas tal como antes a luta pela sobrevivência exalta nossas inteligências e nenhuma delas possui valor especial.
O único anacronismo nessa evidente constatação é que Darwin já sabia das múltiplas inteligências e as destacava em sua obra imprescindível, mas muitas escolas deste século de tecnologia continuam de costas viradas às inteligências múltiplas. A seleção natural é impiedosa e sugere que essas escolas, evidentemente, não sobreviverão. É a capacitação do mais apto.
O tema "inclusão" está em moda.
Lamentavelmente é assim. A expressão da cultura educacional por estes lados do mundo exalta determinados modismos, assuntos da vez, temas emergentes e não raramente importantes, mas que por algum período são falados, escritos e discutidos por todos em toda parte, mas que não escapam de um certo ciclo vital que os relega para o esquecimento tempos depois, como moda passageira. Foi assim com o "construtivismo", logo depois com o "construtivismo interacionista", depois com "as inteligências múltiplas", apareceram os tempos das "competências" e agora parece ser chegada a hora da inclusão. O assunto aparece com destaque em toda reunião pedagógica, as poucas revistas pedagógicas abrem-lhes edição especial, congressos e seminários são repetitivamente organizados para apresentá-los. Algum tempo depois, o tema da moda é por outro substituído e seus fundamentos prosseguem apenas para alguns poucos, refletidos neste ou naquele lugar. Agora o tema da moda é a inclusão.
A inclusão, abrindo direito à educação para todo aluno seja qual for sua dificuldade ou deficiência, em seu sentido mais amplo parece ser idéia que não admite contestação. Todo ser humano, por mais severas que sejam suas limitações é educável e a escola verdadeira é toda aquela que a todos se abre e a todos oferece igual possibilidade de progresso, ainda que trabalhando de forma profissional e responsável as diferenças, sejam elas quais forem. Mas, nem por isso, a questão inclusiva escapa de uma análise crítica onde é possível aplaudir seu "lado direito", mas criticar com rigor seus excessos, protestar contra seus desvios. É esta a finalidade crítica deste artigo.
O lado direito da inclusão é aquele que fala de oportunidades para todos e que identifica a diversidade como forma de riqueza, jamais castigo. Esse mesmo lado enfatiza que todos somos essencialmente diferentes e que não são aceitas fórmulas para estabelecer a normalidade e a anormalidade. Anormal é crer que a diferença deve ser elemento de discriminação e assim a falsa escola elege quem acolhe como plausível e discrimina e afasta todos quantos se distanciam dos padrões de um critério grotesco, perverso e exclusivista.
O triste avesso da inclusão é a tolice de se crer que como não existe a anormalidade é essencial que todos se nivelem e, dessa forma, bons e ruins são semelhantes, esforçados e negligentes são iguais. De maneira sutil, mas persistente começa se instituir como verdadeiro valor da escola nos tempos de agora a crença absurda de que exaltar o bom implica em denegrir o fraco, aplaudir o esforço é extremamente perverso e segregacionista para quem é indolente.
Essa tolice afasta a educação brasileira das melhores do mundo e gera falsos argumentos para defender indolentes. Temos uma educação entre as piores do mundo? Paciência. É mais importante ser feliz que ser sábio, como se pudesse existir felicidade autêntica sem sabedoria; demonstramos redundante fracasso esportivo nas Olimpíadas de Pequim? Paciência. Deus não quis que nossos atletas alcançassem o pódio. Ao refletir sobre a arrogância da exclusão, resolvemos incluir a todos para que o êxito de alguns, não magoassem o esforço dos demais e com essa mentalidade olhamos nossos fracassos não mais como alerta para providências, mas como contingência de que acolhemos heróis e vagabundos com igual distinção. Fracassar, errar, tropeçar e abandonar-se ao lazer deixou de ser prova de fraqueza e medida de acomodação covarde para se transformar em valor digno de aplauso tão expressivo quanto se dedicar com afinco, buscar o sucesso sempre, planejar caminhos viáveis para conquistas sempre maiores.
O avesso da inclusão é se acreditar que fraqueza, insucesso e covardia são destino, não indiferença, preguiça ou omissão.
| Tweet |
|
3 |
ÁREA DO PROFESSOR
ÁREA DO PSICOPEDAGOGO CLINICO E INSTITUCIONAL